terça-feira, 15 de maio de 2007

Relações Virtuais.

Autoria: Márcio Roberto de Almeida.
O provedor http://www.grupos.com.br/ tem um slogan interessante que diz “A vida acontece em grupos”. E isso é uma verdade!... Uma vez que nós, humanos, somos seres essencialmente sociais, eu ainda diria mais: A qualidade dos nossos relacionamentos e a nossa capacidade de mantê-los são fatores determinantes da nossa qualidade de vida. Melhor dizendo, quanto maior o número de vínculos de relacionamentos saudáveis, maior será a solidez e a estabilidade social, cultural e, obviamente, afetiva de cada um.

Por acreditar nisso, há onze anos eu mantenho vínculos com centenas de amigos, seja por listas de e-mails e de telefones particulares, seja por meio de grupos virtuais de discussão. Não que eu seja um internauta inverterado - até mesmo porque meu tempo disponível não me permite esse luxo. Justamente pelo contrário: por não dispor de tempo para visitar ou falar ao telefone com tantos amigos.Além de tudo, me faz bem manter esse canal sempre aberto para, quando eu quiser mandar uma notícia, um convite, uma palavra amiga, uma foto ou, simplesmente dizer: “me lembrei de você!” ou então “não me esqueci de você, meu amigo!”... E, mais ainda, para ter o enorme prazer de receber mensagens da mesma natureza.
A vida atual não nos permite mais certas regalias como era no passado. Não se senta mais na beira da calçada pra ver o tempo passar e jogar conversa fora, não se sai rotineiramente para bate-papos nas praças, não se recebe e não se visita para simples conversas amenas ou para levar um agrado, um simples prato de pão de queijo para ser apreciado juntos tomando o tradicional cafezinho. Tudo isso acabou!... Os novos tempos passaram a exigir novas formas de relacionamento e quem não percebeu isso e não se adaptou, está se isolando socialmente, tornando-se cativo da televisão e, cada vez mais, tendo dificuldades de se engajar no mundo atual. E esse desengajamento, naturalmente traz consequências danosas até mesmo para a carreira profissional, uma vez que as dificuldades de se manter no mercado são sempre maiores para quem não tem boas e estáveis relações sociais.
Nem mesmo no campo afetivo pode-se preservar a ortodoxia das relações inter-pessoais. Por exemplo, nos namoros à moda antiga era possível paquerar um(a) pretendido(a) por semanas a fio e, antes mesmo de se dar um primeiro beijo, já se conheciam todos os parentes, pais e avós de ambos os lados e, assim, avaliar se “dava futuro ou não”. Os pretendentes tinham tempo e condições para se conhecerem mutuamente antes de qualquer compromisso moral ou antes que o vínculo afetivo se tranformasse em responsabilidades ou obrigações civis ou sociais. Por causa disso os riscos de relacionamentos equivocados não eram tantos quanto o são hoje em dia.
Eu digo isso com um certo conhecimento de causa e por ter experiência própria... Ao longo quase três anos me aventurei pelas trilhas da paquera convencional e cheguei à triste conclusão de que, seguindo-se os métodos e padrões convencionais seria simplesmente impossível encontrar alguém com os requisitos que eu procurava, sobretudo porque a grande maioria dos primeiros encontros e apresentações acontecem nos bares. Porém, apesar de eu ser um apreciador da boemia, do rock'n roll e das baladas da noite, não me permitia misturar as coisas e, por causa disso, em princípio, não acho que os relacionamentos iniciados nessas circunstãncias inspirem muita credibilidade ou perspectiva de futuro, mesmo sabendo que é uma praxe socialmente aceita, como diz o forró cearense, “... foi assim que eu te conheci, de bar em bar, de mesa em mesa, tomando cachaça, bebendo cerveja, dançando, enchendo a cara!...”.
Outra parte das apresentações de eventuais pretendentes nos chegam por intermediação de amigos que, apesar da boa intenção, eles nem sempre têm os mesmos referenciais de beleza e de virtudes que a gente. Por isso, essas apresentações também quase sempre acabam em constrangedoras decepções. Além do mais, as circunstâncias e a intermediação, acaba por quebrar toda aquela magia e o clima de romantismo próprio da conquista espontânea...
Outras eventuais pretendidas cruzam o nosso caminho por acaso, no nosso dia a dia, e nos cortejam porque acham que a gente é isso ou é aquilo; porque pensam que a gente tem isso ou tem aquilo ou, então, porque nos vêm atuando no trabalho cotidiano e acreditam que sejamos um ícone de realização, se encantam e caem em cima!... Também são formas de conquistas que um pouco de maturidade e racionalidade nos induz a rejeitar e buscar uma saída estratégica!...
O que resta, portanto, é o atualíssimo relacionamento virtual que, na minha opinião, é a única forma que nos permite explorar e desfrutar da relação plenamente, antes de se estabelecer vínculos morais ou afetivos fortes. E foi exatamente por esse método que eu resagatei a chance de ser contemplado com uma nova vida afetiva plena, tendo todas as virtudes valores morais como alicerce e, além disso, repleta de amor, carinho, compreensão, estabilidade e paz...
Entretanto, a grande mídia tenta desqualificar os canais de relacionamento virtuais, ao darem enorme destaque a um ou outro caso isolado de pessoas que se conheceram pela Internet e a relação culminou em tragédia. Mas, ao mesmo tempo, omitem o fato de que, para cada crime com origem dessa natureza há centenas de casos de crimes e tragédias envolvendo pessoas que se conheceram nos bares e nas ruas. Só que esses são comuns e banais; por isso, não interessam à imprensa.
Estou me referindo a todo esse lero-lero pra mostrar que a existência e a preservação das listas de discussões não são apenas brinquedos coletivos ou tão somente uma novidade interessante. Muito mais do que isso, revelam uma tendência natural e, cada vez mais têm sido o canal por meio do qual as pessoas conseguem preservar seus necessários vínculos sociais, de amizade ou profissionais.
Em outubro de 2003 fundamos o grupo de discussões "carmenses@googlegroups.com", a partir do qual, em 2005 derivou-se o grupo "caetanos@googlegroups.com", este restrito aos descendentes do meu pai, Esequias Caetano. O grupo Carmenses se mantém em plena saudável atividade após quase cinco anos, apresentando baixíssimo nível de conflitos. Em relação ao grupo Caetanos, por se tratar de família, naturalmente não se pode dizer o mesmo. Mas que também não chega a ser um malogro; apenas suficientemente polêmico e, às vezes descompassado, a ponto de merecer nosso lamento. Por causa disso, os propósitos de aprimoramento da união familiar, que foram os pilares da fundação do grupo, ainda não têm sido atingidos plenamente. Mas, ainda assim, a despeito da exposição natural de algumas mazelas, muita coisa boa e positiva foi realizada por intermédio desse contato fácil e direto entre os membros da família.
Além desses dois grupos (Caetanos e Carmenses), eu participo há mais de nove anos de outro grupo com quase 800 membros, formado pelos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do Governo Federal (EPPGG), cujo relacionamento é absolutamente saudável, com raríssimos episódios de conflito; quase todos de natureza ideológica. Além desse, há cerca de onze anos sou co-administrador do grupo formado pelos cinqüenta e poucos remanescentes da primeira turma de EPPGG, da qual orgulhosamente faço parte, cujos membros contam com pelo menos oito assessores diretos da Presidência da República, além de vários secretários e diretores do governo.

Esse grupo também mantém alto nível de atividade e de discussões, sempre pacífico e muito produtivo sob todos os aspectos. A interação dos membros desses grupos nos propiciaram oferecer ajuda e viabilizar oportunidades para muitas pessoas. Eu, particularmente, pude conseguir colocações profissionais e outros tipos de colaborações a amigos e parentes de amigos meus e, por outro lado, pude retribuir com o mesmo tipo de ajuda. Além disso, disseminamos e discutimos idéias relacionadas a assunto profissionais, assim como problemas sociais e políticos, abastecemos estoque de banco de sangue, combatemos fraudes, denunciamos problemas, viabilizamos compras mais econômicas e, principalmente, nos divertimos muito...
Assim também acontece nos grupos Carmenses e Caetanos, exceto quando algum conflito familiar compromete os resultados, especialmente no caso desse último grupo. Porém, o meu diagnóstico sobre as causas dessas distorções é simples. Se cada um não se policiar de modo a evitar que interesses soturnos se sobreponham à prática da cortesia, da educação e do bom relacionamento, os resultados perversos certamente irão predominar. Voluntariamente eu fiz questão de me expor, especialmente no grupo Caetanos e, por causa disso, ás vezes fui alvo de intrigas veladas, além de ter sido muito combatido. Porém, sempre nas redes paralelas e nunca abertamente nas discussões do grupo, o que é lamentável. Sempre tive consciência disso e, mesmo assim, nunca me furtarei em manter o meu estilo transparente. Afinal, essas atitudes, via de regra, não me aborrecem porque acho que tudo é válido como exercício de relações inter-pessoais. Creio também que o exercício prático é a melhor forma de aprendizado e, assim, prefiro continuar a me expor. Primeiro porque tenho coragem bastante para isso, depois porque tenho complacência e discernimento para receber e administrar bem essas reações. Não acho que errei na minha maneira de ser e de agir, mesmo tendo sido tão combatido, sobretudo porque isso trouxe elementos que me permitiram claramente separar o joio do trigo...
Entretanto, se antes eu tinha essas listas como um registro tempestivo da história do meu círculo de relacionamento, sobretudo da família, e pretendia continuar guardando todas as mensagens como registros de nossa história ao longo do tempo (eu ainda faço isso) para mostrar aos meus filhos daqui a 15 ou 20 anos, isso não é mais conveniente porque, esse material, conforme tem sido postado ultimamente, pode não contribuir positivamente para valorizar a expectativa de respeito e consideração da família para com meus filhos.
Contudo, aproveito essa reflexão para apelar em favor da qualidade das mensagens, da cortesia e do combate aos conteúdos dissimulados e difusos, que visem propósitos diferentes do tema. Esse apelo é válido integralmente para todas as relações interpessoais, em qualquer circunstância e para a vida toda... Creio que se cada um passar a se auto corrigir, poderemos agir com inteligência e sociabilidade suficientes para resgatar os propósitos construtivos desse importante canal de relacionamento. Bastaria apenas que os conteúdos turvos e subliminares dessem lugar à transparência e que a hipocrisia desse lugar à franqueza e à objetividade, sem perder a cartesia, a nobreza e a distinção, naturalmente.
Num ambiente de discussão aberta, como são esses grupos, onde todos têm opinião crítica, é necessário que cada membro parta de pressupostos fundamentais, segundo os quais todos são iguais em valores e virtudes e que o respeito é o limite definitivo... Caso contrário, se um ou outro se julgar um estrategista da sabedoria plena ou um monopolista da verdade absoluta, além de estar cometendo uma tolice, estará comprometendo a condição de diálogo do grupo, porque nenhum participante é burro... Mas também, certamente nenhum terá saco pra ficar corrigindo gente grande voluntariamente agindo hipocritamente e, assim, gerando conflitos! Falta discernimento, principalmente, e sobra lisonja servil e bajulação desprovida de fundamento...
Márcio Almeida∴

Carta para a Mãe.

Autoria: Márcio Roberto de Almeida.

Oi, mãe,
Eu ontem reli uma carta sua, na qual você, como sempre, continua se preocupando com um monte coisinhas sem importância: quer saber se está tudo bem na escola, se eu estou me alimentando direito, se não estou me envolvendo com amizades erradas, etc, etc... Mãe, quantas vezes eu já disse que a senhora não tem motivos pra se preocupar comigo! Aqui tá tudo bem e eu estou me comportando direitinho! Pode ficar sossegada!...
Já tem um bom tempo que a senhora escreveu, né, e eu tinha até me esquecido de responder.
Mas hoje eu resolvi dar alguma notícia, por dois motivos: primeiro, porque bateu uma saudade danada da senhora e, também, porque hoje completa mais um aniversário do dia que a gente se encontrou pela última vez, lembra?
Aliás, eu acho até que deveria me desculpar com a senhora por causa daquele dia. Eu estava terrivelmente apavorado, transtornado e tomado por uma comoção violenta! Acho que a senhora nem deve ter notado, porque durante aquelas horas que a gente passou juntos, a senhora ficou o tempo todo com uma expressão tão meiga! Parecia que descansava profundamente, sonhando alguma coisa muito bonita!... Mas, eu penso que a senhora entende as razões pelas quais eu me comportei daquele jeito, né? Naquele dia, eu enfrentava um dos fardos mais pesados que Deus me pôs nas costas - desses que a gente nunca aprende a carregar, quase um martírio!... E, por causa disso, eu me sentia totalmente perdido, sem rumo e desesperado. Me lembro que o papai, quando me viu daquele jeito, me abraçou e disse “filho, a vida vai continuar!...”. Na hora eu não pensava assim, achava que o mundo tinha desabado. Mas ele tinha razão! O tempo passou e a vida continuou...
Porém, naquele dia eu preferia que a gente nem tivesse se encontrado, sabia?! Preferia que você tivesse deixado um recado lá em casa dizendo “Aháá!.. Te peguei! É primeiro de abril e eu não estou em casa! Fui pra Goiás com seu pai e vou demorar uns trinta dias pra voltar!...”. Mas não foi assim!... E já se passaram trinta e dois anos! Mas, como a senhora sempre disse! “Cuáh”, deixa estar!... Deus sabe o que faz, né...
O importante é que estamos todos bem e a senhora continua a mesma mãezona, cheia de paciência, meio chorona à toa, às vezes, mas ainda é a mais carinhosa e mais legal de todas as mães (vê se não fica exibida demais por causa disso, viu!...)
Mas, mãe, daquele dia pra cá, muita coisa boa aconteceu e eu ainda nem contei pra senhora! Eu me formei naquela escola! Lembra que te contei que era uma escola enorme, que o prédio era umas dez vezes maior que o Estadual e que tinha mais de mil alunos? Pois é. Me formei lá, depois entrei pra faculdade e me formei também! A senhora costumava dizer que eu deveria ser um Engenheiro quando crescesse, né!... Pois é, eu consegui! Depois disso, ainda inventei de estudar mais! Nem sei pra que, mas todo mundo achava que seria melhor e eu aproveitei o tempo que tinha à noite!...
Mãe, tava ansioso pra te contar: eu tenho duas filhas, já grandes! São lindas!... Mais altas do que eu, acredita? Além disso, ainda tenho um menino pequeno que é uma bênção de Deus! Precisava de ver!... Do jeito que a senhora sempre foi apegada com menino pequeno, eu penso que ia ficar doidinha com a beleza e com a alegria dele. Além disso, ainda vai nascer outra filha minha daqui a uns três meses. Essa eu queria que fosse parecida com a senhora! Sabe aquelas fotos antigas suas, de quando tinha uns quatorze anos de idade? Era muito linda, né! E essa sua calma, essa paz com que a senhora sempre resolve as coisas!... Se ela te puxasse, seria uma graça de Deus! Ah, eu ia achar bom demais! Mas, sabia que isso pode muito bem acontecer?!.. É que a mãe dela tem esse seu gênio: calma, carinhosa! Um anjo de pessoa! A senhora iria gostar muito dela...
Sabe, mãe, a saudade às vezes me faz lembrar de tanta coisa passada! Até dos castigos que, na hora, a gente quase morria de medo, mas depois ficava tudo bem...Teve um dia que a senhora tava fazendo pamonha, lá no Barreiro, com a Julieta do Joãzinho Preto, e me mandou ira na casa da Tia Helena buscar uma peneira pra coar a massa. Lembra, disso? Eu sei que, antes de chegar lá, o Fernando me chamou pra ver um balanço de cipó que eles tinham acabado de fazer. Dizia ele que o balanço era bom demais e que subia da altura de uma macaúba!... Aí, eu não pude resistir e a gente se envolveu por lá muito tempo. Além de balançar bastante ainda tivemos que amassar umas moitas de Palácio pra amaciar o tombo, caso o cipó arrebentasse...
Quando cheguei na Tia Helena, outro portador já tinha vindo e levado a tal peneira. Então, eu saí correndo feito doido... Atravessei aquele Barreiro todinho sem parar, pensando nas conseqüências da minha irresponsabilidade. Mas, hoje eu vejo que aquele medo era só por causa do castigo moral porque, na verdade, as suas chineladas (agora que sou grande, eu posso falar...) não doíam nada, nada!... Eu tinha mais medo até da Tôca, que nunca levantou a mão pra dar nenhum tapa na bunda de ninguém lá de casa... Naquele dia, quando cheguei, todo suado, a senhora me ameaçou de “pegar de coro” se eu fizesse uma coisa dessas de novo...
Toda a vida eu fui muito calado, mas acredito que, apesar disso, a senhora sempre entendeu e soube que, mesmo semfalar, eu te amo muito, né, mãe! Aliás, a senhora é umas das pessoas com quem eu mais me abro... Me lembro de um dia que me pediu pra ir com o papai pro Indaiá, fazer companhia e abrir as porteiras pra ele. Dois dias depois, quando chegamos de volta, ele caçoou que eu tinha ido mudo e voltado calado! Naquela hora eu fiquei meio magoado com aquele comentário. Mas você deu um sorriso tão bonito, me passou a mão no cabelo, como se quisesse penteá-lo pra trás e disse: “Ele é um menino muito bom!...”. Foi um afago que eu guardei no coração...
Eu ainda não consegui parar com aquela mania que eu tinha, de ficar acordado de madrugada, pensando... E nessas horas eu sempre sinto muita saudade da senhora e de tudo aí de casa. Tenho saudade das férias... No fim de ano, tinha o Natal lá no Barreiro! Era muito bom, né. Tinha aquela vitrola em que a tampa era uma caixa de som. Além dos discos do Silveira e Silveirinha, que eles mesmos traziam para o papai, ainda havia o disco novo do Roberto Carlos que o Néder comprava pra senhora...
Nessas férias só não era muito bom as capinas de arrozal. Num ano era no arrozal do chapadão. No outro, o arrozal da moita de bambu! Disso eu não tenho muita saudade, não. Mas, também tinha a parte boa. Era quando a gente tava ali capinando desde manhãzinha e chegava a gamela de comida do almoço que a senhora mandava! Ah!... essa hora era sempre uma alegria muito grande. Que comida gostosa!...
Nas férias de julho tinha o carreto de milho da invernada, no carro de bois! Me lembro sempre disso também e, hoje, até sinto saudades. Mas não era muito bom. Que madrugadas geladas, credo!... Lembra que a senhora arranjava uns paletós velhos e umas capas pra eu e o Édi do Rubens vestir pra ir buscar os bois no pasto. Saíamos os dois, lá pelas quatro da manhã, com aquela lanterna velha que sempre estava com as pilhas fracas. Era muito, muito frio... Mas, ainda assim, antes do dia amanhecer já estávamos com a traia arriada a caminho da Invernada! Às vezes iam dois carros de boi, né e eu sempre ia encolhido num cantinho da esteira, coberto pelo caniço e pensando no calorzinho do alicerce da sua fornalha...
Mas essas lembranças também têm uma parte boa: era quando a gente chegava em casa de volta, muitas vezes já de noite (quando o carro de bois tombava ou encravava), todo mundo varado de fome e, então, tinha aquelas paneladas de arroz, tutu, lingüiça frita e ovo!... Que cheiro delicioso!... Não existe comida mais gostosa em lugar nenhum do mundo!... Eu acho que a senhora deve ser muito boa cozinheira porque, olha que eu já experimentei comida de muito lugares, mas nada se compara com as suas...
Mãe, o resto das coisas aqui em casa vão muito bem, fora a saudade que sentimos da senhora. Os meninos estão todos bem! Uns mais desobedientes que não dão muito valor nas coisas que a senhora sempre falou mas, no fundo, sua renca de menino deu tudo gente boa! Todos os dezessete.
Ah!... Mas tem uns que, de vez em quando, ainda me atentam até hoje! A Mãe Néca dizia que era eu que implicava as meninas, né. Mas, por mais que a senhora tenha pedido, ainda tem gente me chamando de orêiudo, dentudo e até de coisas piores... Mas, não se preocupe! Eu não me importo mais com isso. Já acostumei e nem ligo, mesmo se você ou a Tôca não estiverem por perto pra me protegerem...
Um beijo e fica com Deus, mãe.

Márcio.

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Homenagem dedicada à minha mãe, Isaltina Barbosa Ribeiro. postada por ocasião do aniversário de 32 anos de seu falecimento, ocorrido em primeiro de abril de 1975, aos 52 anos de idade.